Pablo Ortellado
Apenas dois meses atrás, seria um delírio imaginar que Jair Bolsonaro teria quase metade dos votos válidos e que o PSL faria a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados.
Essa eleição foi cuidadosamente concebida para não haver renovação. Com a impossibilidade de financiamento empresarial, o fundo eleitoral foi ampliado e os recursos, divididos entre os partidos que já ocupavam o Congresso.
Coube, assim, aos dirigentes partidários repartir a principal fonte de recursos de campanha. Uma regra parecida foi utilizada para dividir o tempo de propaganda no rádio e na TV.
Com as verbas de campanha e o tempo de propaganda concentrados em políticos que já estavam nos cargos, a ascensão de novos partidos e a entrada de novos atores dentro dos partidos tradicionais estavam, em tese, bloqueadas.
Sem acesso aos recursos tradicionais, a campanha do PSL também teve poucos apoios institucionais. Embora algumas lideranças religiosas tenham dado apoio desde o princípio, a candidatura não contou com a simpatia da imprensa, não teve a adesão de artistas, de sindicatos e de ONGs tradicionais e a maior parte do empresariado só aderiu quando a vitória parecia inevitável.
Quase sem verba do fundo eleitoral e sem tempo de rádio e TV, a campanha migrou para as mídias sociais e para o WhatsApp.
Sem o apoio de instituições tradicionais, a campanha se apoiou nas redes de mobilização e comunicação do movimento pelo impeachment e da solidariedade à greve dos caminhoneiros. Lideranças chave dos principais movimentos contra a corrupção se candidataram a cargos eletivos e as páginas de Facebook, os sites de notícias engajadas e os grupos de WhatsApp se converteram em poderosas máquinas eleitorais.
A relativa falta de coordenação e o amadorismo foram mais uma virtude do que um defeito.
Enquanto nas campanhas profissionais dos grandes partidos se desenhavam estratégias sofisticadas, baseadas em análises e estudos, na campanha do PSL atores com pouca coordenação testavam abordagens diferentes de maneira simultânea e as que geravam adesão eram logo copiadas pelos agentes autônomos, num processo ágil de adaptação ao sucesso.
De certa maneira, a campanha do PSL foi uma grande demonstração de força de uma parcela da sociedade brasileira que derrotou as burocracias partidárias, os artistas, as ONGs, os sindicatos e a imprensa.
O paradoxal e o desconcertante é que essa espécie de levante da sociedade contra as instituições esteja a serviço de uma candidatura tão flagrantemente antidemocrática que, sem rodeios, despreza os limites constitucionais, faz apologia da tortura e da violência e defende o autoritarismo mais brutal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário